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domingo, 16 de junho de 2013

capítulo II

                                      
V                                                             Vinte Anos Depois

Não passava das nove horas da manhã, e as pessoas que se arriscavam a sair de casa  já sentiam o ardor de mais um dia de verão. No sudeste do Brasil, a falta de chuva era motivos de desânimo para quem vivia da lavoura do feijão. Para  a família de Valéria, que sempre viveu da roça, tudo o que mais importava por ali era a chuva, que a quase dois meses não aparecia. Depois da morte do pai a doze meses atrás, as coisas pareciam ir de mal pior. Não bastasse a dor de ficar sem a presença paterna, agora a mãe se trancava em casa com  sinais de tristeza profunda, que os médicos diagnosticavam como depressão. Como não tinha irmãos, Valéria se sentia com a responsabilidade de cuidar da casa, da mãe e da lavoura. Levantava bem cedo, preparava o café, e tão logo podia, saía para dar as ordens, pois já era tempo da colheita e o feijão não podia esperar. Apesar do tempo não ter ajudado muito, a vagens estavam secas, indicando ser esse o momento propício para serem colhidas., Era costume dos agricultores de pequenas propriedades rurais, a troca de dias trabalhados. Eles se reuniam em mutirões; plantavam e colhiam sem precisar de grandes quantias de dinheiro. No caso de Valéria, era preciso que alguém remunerado cobrisse a sua falta, pois o fato da mãe  estar com problemas de saúde, não tinha coragem de deixa-la por muito tempo sozinha. Há seis meses recebia a ajuda do tio Matias que aparecia sempre para visitá-las e permanecia dias e dias na fazenda. Ele se preocupava em ajudar , cuidava dos animais, tirava o leite das poucas  vacas que tinham, logo depois Valéria e a mãe faziam os queijos que vendiam na feirinha dos produtores da região.
 o pequeno povoado se cercava de uma igreja, onde o padre da cidade aparecia uma vez por mês para rezar uma missa; com um campo de futebol, a mercearia do seu Pedro, que vendia quase tudo que eles precisavam para as suas subsistências. A escola só alcançava o ensino fundamental, para uma população de pouco mais de trinta crianças e adolescentes. Havia também um clube de festa, onde as pessoas se reuniam para o lazer de finais de semana. Esse centro comunitário era o ponto de encontro para os namoros, a política e as fofocas. Assim vivia  Valéria, entre o sonho de continuar os estudos, a tempos deixados de lado, e a dura realidade que a mantinha ali, sem nada poder fazer. Em meio a pensamentos conflitantes, a presença do tio era o ponto de equilíbrio.Matias contava com quase setenta anos de idade, mas aparentava um pouco mais, durante muito tempo levou uma vida desregrada. Dormia pouco por causa do vício do jogo e da bebida. Enquanto pensava nele, não percebeu a chegada da charrete. Quando o viu, não pode esconder a satisfação em tê-lo por perto.
     - Eta sol quente, minha filha. Acho um crime sua mãe deixar você vir pra lavoura. Isso é serviço pra homem.
      -Que bom ver você tio, não se preocupe comigo, sou acostumada com essa vida. A mamãe não está bem, alguém tem de olhar o serviço. Com a morte do pai, ela ficou completamente perdida. E Nossa colheita não pode esperar, se a chuva chegar agora, perderemos tudo, o feijão já está seco.
      -Não me conformo por você ter parado com os estudos, deveria é estar na cidade estudando para ser doutora.
      -A cidade grande me assusta bastante- Enquanto falava, ela reunia as marmitas do almoço e subia na charrete. Era  hora de voltar para casa
      -Quando foi que chegou? Perguntou Valéria .Enquanto o abraçava.
      -Agora a pouco, desta vez vou ficar até o final da semana, assim posso ajudar na colheita e também cuidar dos bezerros que não param de nascer.
      -Graças a Deus não? Não via a hora do senhor aparecer. Mas sobre aquele assunto de estudar, o senhor sabe que sou medrosa, depois somos pobres, não temos condições financeiras para me manter na cidade grande e pagar meus estudos.
Matias abaixou os olhos, como se essa afirmação lhe imputasse tremenda dor na consciência.
      -É uma realidade que doi em mim.
     -Não deveria, o senhor não tem culpa.
      -Você é diferente das moças daqui, sabia? Tem uma estrela bem aqui na testa. -Valéria ri enquanto sente as mãos frias do tio em sua cabeça, e os dois caem na gargalhada, o que a deixa mais feliz e segura, quando ele se encontra por perto. O cavalo apressa o passo, sente que volta para casa, pois sabe que poderá descansar. Matias volta a sua atenção para o caminho e firma as rédeas com as duas mãos.
Em pouco tempo, eles chegam em casa, Valéria corre até o quarto.
      -Que foi mãe, não se levantou ainda?
      -Filha, eu me levantei, mas voltei a deitar, a saudade e a tristeza não são boas companheiras.
      -Então larga  essas companheiras mãe. Faz mais de ano que o papai morreu e senhora se recusa a viver bem. Pensa em mim. Só tenho a senhora e o tio Matias, e ele já está velho. Qualquer dia caí na cama e não levanta mais. E eu?
      -Você tem  o Horácio, doidinho por você.
      -Ja disse que não quero o Horácio.
      Por que filha, Ele é um menino bom, conhecido de todos nós. O seu pai fazia tanto gosto  no namoro de vocês.
      -Mas eu não faço- Enquanto falava , Valéria cuidava de dobrar as cobertas e abrir as cortinas, para que a mãe deixasse o quarto.- Não é o fato dele ser bom, e de eu ter vinte anos, que vou casar com quem não amo.
  Com um sorriso nos lábios, a mãe concordou: -Está bem filha, que Deus te ampare então!
Visto que nada adiantava argumentar com a filha sobre o assunto, Tereza Maria levanta da cama e depara com a presença do cunhado bem ali na porta. Os dois, Matias e Valéria lhe dão o braço e saem para mais um dia de lutas e esperanças. 

Continuemos

     

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